Quem vê cara não vê computação

Depois do olhar de assombro que as pessoas fazem quando digo que sou aluna da Computação, recebo a frase definitiva: “Nossa, mas você não tem cara de menina que faz computação!”. Quando eu contei sobre isso no debate “Mulheres na Engenharia”, na SECOMP (Semana de Computação da Unicamp), muitas outras congressistas se identificaram com o fato e me disseram que era comum ouvir esse tipo de resposta: “Você não tem cara de computeira!”. O fato de essa abordagem ser tão frequente me motivou a conversar com outras pessoas e escrever sobre esse tema, a fim de que possamos continuar aqui no blog esse debate importante sobre estereótipos da mulher que estuda/trabalha com tecnologia.

 

A primeira coisa que precisamos considerar é que há um perfil consolidado e um estereótipo pré-determinado sobre mulheres da computação. De acordo com algumas respostas que recolhi entre colegas, trata-se de um perfil bem alinhado com o típico nerd (outro estereótipo que pode facilmente ser desconstruído a partir de exemplos do mundo real), com alguém que é introvertido e, muitas vezes, antissocial e sem vaidade. Um depoimento que me chamou atenção foi “Computeira é um ser assexuado. Menina que usa maquiagem e vestido não faz muito o estilo da computação”. Deve ser por isso que eu não tenho a tal cara certa; gosto de maquiagem e de arduíno, gosto de programar e de pintar as unhas – essa mescla de coisas que servem à triste dicotomia coisas de menina versus coisa de menino. Após o debate na SECOMP, vi que não estava sozinha, e mais: eu fazia parte da maioria, pelo menos dentre as congressistas presentes, que discutiram também o apagamento do lado feminino quando se trabalha com tecnologia.

 

Acredito que, cada vez mais, o perfil das mulheres na computação dialoga com o moderno, com a intervenção social, com o lado cool de ser um maker na tecnologia, e menos com a figura tímida que gosta de ficar sozinha com computadores. Pior do que o pré-conceito é o fato de que muitas meninas, não se identificando com tal perfil enviesado compartilhado socialmente, preferem se afastar da computação e áreas de tecnologia, na dúvida se vão conseguir se integrar ao grupo, ou se de fato têm algo em comum com a Amy Fowler, ou se já têm horas suficientes no Dota – eu nunca joguei Dota, só estou usando de exemplo porque ouço muito disso nos corredores. Eu sei e conheço meninas que fazem mais esse estilo gamer girl, geek e nerd; elas são realmente espetaculares e definitivamente não estou sendo contrária a esse perfil. Mas precisamos reforçar, principalmente para as pessoas fora do campo das áreas STEM, que a computação não serve apenas para um tipo particular de personalidade ou pertence a um grupo cultural específico.

 

Uma campanha promovida pela Code.org procura encorajar mais pessoas a se aplicarem nas áreas STEM, mostrando os escritórios descolados das grandes empresas de tecnologia, estampando a profissão como uma atividade criativa e apresentando personagens que, por atuarem (estudarem, se interessarem, trabalharem etc.) na computação, são providos de “superpoderes”: Ashton Kutcher e Cris Bosh são exemplos de pessoas famosas que programam; mas, principalmente, pessoas estão ficando famosas por saber programar.

 

Sendo uma profissão com excelente carreira e com um défice alto de mulheres no mercado de trabalho, iniciativas como essa são super bem-vindas. Gostaria de ler comentários de outras meninas sobre esse assunto.

Camila, obrigada pela oportunidade de discussão e movimento de ideias.

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Aluna d2e Ciência da Computação na Unicamp, adoro histórias de romances gráficos, literatura brasileira e séries. Sou apaixonada por computação e tecnologia, e principalmente pelo poder de transformar ideias em realidade através da programação.
CONTATO:

e-mail: carolbonturi@gmail.com
twitter: @computeira

 

Um comentário sobre “Quem vê cara não vê computação

  1. Marcio disse:

    Diferente do Vale do Silício (onde moro desde 1993), a indústria de Software no Brasil começou nas décadas de 1970-1980’s com participação significativa de mulheres.

    Eu trabalhei na Itautec entre 1989-92 e a liderança da área de software (assim como 3 das 4 gerências do departamento) eram de mulheres. Mais tarde, na Cyclades, eu tive um time de 50 desenvolvedores no Brasil, com liderança e participação significativa de mulheres.

    Uma das causas é o fato de que, no Brasil, os cursos de computação se originaram nos departamentos de Matemática (com maioria feminina) e não em Engenharia (com maioria masculina).

    Esse panorama mudou na década de 90, durante a emergência da Internet e do movimento de Software Livre (os quais eu acompanhei bem de perto). Essa geração de desenvolvedores já era predominantemente masculina.

    Acho que entender a história é relevante para entender e atuar no sentido de recuperar um equilíbrio saudável na situação atual.

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