Estava na minha página pelo ‘face’ quando vi que uma das minhas amigas tinha compartilhado um álbum de um projeto fotográfico que denuncia o preconceito que mulheres estudantes e profissionais das áreas de Computação e Tecnologias sofrem em seu cotidiano. Então não pensei duas vezes e comecei logo a pesquisar sobre aquela ideia fantástica e descobri que se chamava “Delete seu preconceito”. Por meio da mesma rede social consegui entrar em contato com a Prof. da UFMT e idealizadora do Projeto, a Karen Figueiredo, e perguntei se poderíamos conversar um pouco sobre a ideia do projeto e dicas até sobre eventos da área tecnológica pela UFMT. De imediato a Karen disse que sim e então, pedi que ela me passasse o contato de alguma das meninas que fazem parte do projeto e que resolveram publicar as frases que já escutaram. Com isso, junto com a Karen tive a oportunidade de conversar com a Glauce, uma aluna da Especialização em Engenharia Web e Governo Eletrônico na UFMT, que já ouviu a polêmica frase (título deste post) que anda circulando por várias páginas na net e com a Stephanie, aluna de Sistemas de Informação na UFMT. A seguir, um pouco da nossa conversa.
Mulheres na Computação: Karen, por que ser uma professora, enquanto você poderia trabalhar em um empresa ou desenvolver produtos sem estar necessariamente em sala de aula?
Karen: Assim que terminei a graduação tinha a ideia de buscar por um emprego “seguro” e iniciei uma jornada de concursos enquanto descobria o cenário acadêmico fazendo o mestrado, que até então era um completo mistério para mim. Conforme o tempo foi passando, fui me apaixonando pela pós-graduação e deixando de lado as convocações que começavam a chegar para cargos de analista em órgãos públicos, sempre com a desculpa de fazer um concurso melhor depois e terminar o mestrado primeiro. Quando eu finalmente terminei o mestrado, já estava no primeiro semestre do doutorado, e recusei a convocação para um concurso do SERPRO, foi que a ficha caiu. Eu estava fazendo os concursos errados. O bicho acadêmico já tinha me mordido, rs. Eu queria poder ensinar tudo o que eu estava aprendendo, passar adiante a paixão pela Computação e continuar a fazer pesquisa científica. Eu precisava ser professora. Fiz o primeiro concurso que apareceu para a minha área (Engenharia de Software), para um estado a 3 mil quilômetros de distância de onde eu morava, deixando família e até antigo doutorado para trás, e foi assim que eu passei a fazer parte da UFMT.
Mulheres na Computação: Já ouvi de várias pessoas que para entrar para a área da computação você precisa ser muito bom em Matemática, mas até que ponto seria esse ‘bom’?
Karen: Essa pergunta é difícil de responder. Nem todas as áreas da Computação vão utilizar conceitos de Matemática tão avançados na prática posteriormente, entretanto é impossível passar por um curso de graduação de Computação ou correlatas sem cursar alguma(s) disciplinas de Matemática. Então, para um aluno de computação ou alguém que pretende estudar computação, é algo que você mesmo se não gostar ou for “bom” tem de estar disposto a encarar. Estudar é investir e persistir. Não se sair bem todas as vezes é normal e até saudável para aprender a mudar estratégias de aprendizagem e buscar novas fontes de informações. Sobre a aplicabilidade da Matemática na Computação, eu diria que a Computação é uma área com espaço para todos os gostos. E hoje, mais do que nunca é uma ciência extremamente interdisciplinar (veja que o tema do CSBC de 2016 será exatamente esse: < http://ww1.inf.pucrs.br/>. Pode ter muita matemática e física, mas também psicologia, linguística etc.
Mulheres na Computação: De onde veio a ideia de criar o “Delete o seu preconceito”?
Karen : A ideia do projeto foi inspirada no projeto ‘Ah, Branco, dá um tempo! ‘que por sua vez é inspirado no projeto ‘I too am Havard’. Eu já trabalhava com pesquisa de Gênero e Tecnologia na Universidade e como eu mesma vivi algumas situações de preconceito e ouvia relatos de alunas como professora, resolvi que seria uma forma bacana de dar voz a esta problemática. Resolvi adaptar os cartazes para dispositivos digitais e tentar incorporar a ideia de linguagem mista (natural e codificada) nas frases. A parte mais difícil foi conseguir que as meninas quisessem participar, pois apesar de virem relatar as situações preconceituosas para mim, muitas não tiveram coragem de tirar a foto ou desistiam no dia da foto. Algumas alegavam medo de que a frase fosse reconhecida pela pessoa que a proferiu e tinham receio de ataque.
Mulheres na Computação: Acredito que uma das perguntas mais frequentes e que não podemos deixar de fazer é: você sofreu algum preconceito quando estava se graduando?
Karen: Não. Eu não sofri preconceito enquanto me graduava ou fazia cursos de pós-graduação. Mas esse é o meu cenário. Todos os meus relatos de situações preconceituosas são provenientes de algumas experiências de trabalho e principalmente de pessoas desconhecidas.
Durante os meus estudos, o que aconteceu foi que eu era praticamente a única mulher da classe. Na graduação, de uma turma de 40 alunos, no último semestre só restavam eu e mais uma colega menina (não me lembro quantas meninas ingressaram) e somente eu me formei naquela turma (esta colega até concluiu o curso posteriormente). No mestrado e doutorado, o cenário era praticamente o mesmo, algumas disciplinas com 5 mulheres, mas outras com nenhuma além de mim. A falta de mulheres em sala também é ruim, pois faz a gente se sentir muito só. Faz nós mesmas questionarmos as nossas capacidades e traz a tona a carga de esteriótipos culturais que carregamos da sociedade. É preciso ter força para lidar com isso, se afirmar capaz e seguir em frente.
Mulheres na Computação: Eu escrevo poesias, e gosto sempre de implantar na <poesiacompilada.com > algum questionamento. Então, de onde surgiu esta forma tão expressiva, poética e provocadora de publicar fotos com frases nas redes sociais?
Karen: Fico até comovida com a definição! Mas não consigo analisar tanto assim. A ideia simplesmente surgiu e tentei colocar em prática. Gosto de tirar fotos nas horas vagas, porém nunca estudei nada relacionado a fotografia ou tenho câmera profissional. Então, o próprio fato de chamar de projeto fotográfico eu considero completamente pretensioso da minha parte, artisticamente falando, (risos). O objetivo sempre foi passar a mensagem e tentar criar essa consciência social com relação a um problema que vivemos no cotidiano. Só isso, (risos).
Mulheres na Computação: Vocês poderiam deixar algumas dicas de livros(técnicos ou não), sites para aprender a programar, eventos que irão acontecer pela UFMT/ região, ou alguma outra ideia que queiram acrescentar?
Karen: Como professora, acredito fortemente nas ações que incentivam a disseminação da computação para crianças e jovens (sejam meninas ou meninos). Uma forma bacana de começar a trabalhar com esse público, principalmente pra quem quer por a mão na massa e não tem recursos é o Computer Science Unplugged, que aborda diversos temas da computação para várias faixas etárias sem utilizar dispositivos eletrônicos (completamente desconectado). Então essa é a minha dica para espalhar amor e computação por aí! (risos).
Sobre a UFMT, gostaria de divulgar o nosso projeto Meninas Digitais Regional Mato Grosso <https://www.facebook.com/MeninasDigitaisMT > que tem como objetivo a realização de práticas de caráter motivacional e informativo com alunas de Ensino Médio no estado de Mato Grosso visando a equidade de gênero nas carreiras e cursos das áreas de Computação e Tecnologias da região através do incentivo e promoção da participação feminina.
Em novembro, vamos realizar a Escola Regional de Informática na UFMT <http://erimt2015.ic.ufmt.br/> e nela vai acontecer uma Mostra de Arte Digital. As submissões estão abertas até setembro para diversas modalidades, desde ilustrações até trabalhos de robótica artística. Apesar do evento ser em Cuiabá/MT, qualquer pessoa pode participar e mesmo que não possa comparecer, podemos expor o seu trabalho, desde que combinado com a organização do evento.
Mulheres na Computação: E você, Glauce, como começou a participar do ‘Delete o seu preconceito’?
Glauce: Sou aluna da Especialização em Engenharia Web e Governo Eletrônico na UFMT e fui convidada a participar do projeto “Delete o seu preconceito” pela Karen, que tem desenvolvido junto à UFMT várias ações para a inclusão das mulheres nos cursos de Computação e afins.
Mulheres na Computação: Eu já escutei ‘você só sabe fazer poesia e artigos, deixa a programação conosco(meninos)’, já achei muito agressivo e para me “vingar” fiz o poema ‘<E daí se sou mulher e programo?>’. Quando você ouviu a frase ‘Computação é como navio pirata: só tem homem e canhão!’ como reagiu?
Glauce: No campus é muito comum estudantes de vários cursos interagirem, promoverem festas juntos e participarem das festas dentro do campus. Nesta época, sentia que essa interação não acontecia naturalmente com as turmas da computação. Quando tentamos promover festas para arrecadar dinheiro para nosso baile de formatura, por exemplo, procurávamos alunos de outros cursos e ouvíamos frases desanimadoras, principalmente relacionados à má fama que tínhamos no campus, como se fôssemos todos “pessoas nerds e feias”, o que não atrairia a atenção de participantes. Acredito que foi nesse contexto que escutei a frase sobre o navio pirata. Era realmente muito desanimador ouvir estas coisas e, como era praticamente adolescente, não sabia lidar com a falta de aceitação no campus. Eu, que sempre amei exatas, passei a não me interessar tanto pelo curso e acredito que este preconceito também teve papel nisto.
Mulheres na Computação: Teve outras frases ou situações constrangedoras?
Glauce: Sim, passei também por algumas situações de preconceito no mercado de trabalho. Uma vez, trabalhando com suporte técnico, me prontifiquei a atender um senhor e o mesmo me olhou de cima abaixo e perguntou para o meu chefe se eu daria conta. Me senti muito irada (por que ele sequer perguntou a mim), mas o atendi educadamente. É desanimador que a mulher muitas vezes tenha que provar sua competência com o resultado de seu trabalho, e isso infelizmente não se restringe à área de TI.
Mulheres na Computação: E você, Stephanie, como entrou para o “Delete seu preconceito”?
Stephanie: a professora Karen junto com a UFMT desenvolvem projetos relacionados a inclusão de mulheres na computação. Então, fui convidada pela professora para participar. Quando fui convidada para tirar a foto fiquei animada com ideia e não esperava toda essa repercussão. Algumas pessoas não acreditam que que existe esse preconceito com meninas na área de TI, acredito que seja porque seu círculo de amizade não é preconceituoso e isso é ótimo!
Mulheres na Computação: e esta frase ‘É melhor chamar um homem para te ajudar com isso’, surgiu em qual contexto?
Stephanie: escutei em um dia que estava desenvolvendo trabalhos da faculdade, minha reação foi levar na brincadeira, acredito que seja a melhor opção.
Mulheres na Computação: em algum momento já passou pela cabeça desistir do curso?
Stephanie: No começo eu já pensei em desistir do curso, por vários motivos, achava que não era pra mim. Hoje, tenho certeza que é isso que quero. Não trabalhei com programação, mas pretendo.
[S.R.]
Infelizmente a gente tem que brigar com unhas e dentes por algumas coisas, já ouvi besteira de colegas que nem perceberam como me ofendiam com aquelas frases que eles diziam estar usando pra elogiar. Esse trabalho é bom demais, pra mostrar como existe frases e preconceito, pois quando falamos disso as pessoas tendem a falar que estamos exagerando.